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domingo, 15 de maio de 2011

A DEBUTANTE

 Esta história que passo a contar também aconteceude verdade, mas o fato é que dela participei somente como observador, e também por esse motivo somente poderei contá-la mudando o nome dos personagens para que se possa preservar a privacidade que lhes é por direito sagrada.
Isso aconteceu numa cidade de porte médio do oeste do Paraná, onde vivia a família de meu amigo Ricardo, casado com Carlota. Ambos trabalhavam no serviço público há muito tempo. Tinham quatro filhos que muito os deixavam orgulhosos, dos quais três eram rapazes e uma era uma linda mocinha que era também o motivo de maior orgulho desse casal. Estes sempre gostaram de participar dos eventos da comunidade em que viviam e devido ao fato de ser sua filha Vera de uma beleza muito acima da média, estavam também muito envolvidos com desfiles de moda e de beleza.
Além de se dedicarem muitas atividades sociais, tinham os membros dessa família o gosto pelo teatro e representações de maneira geral, fato demonstrado várias vezes quando nos festivais da região os filhos de Ricardo cantavam os versos compostos por este.
Mas, como deixei transparecer no início desse texto todo o mundo desse casal parecia girar em torno da sua filha mulher, Verinha que além de ser de uma beleza invulgar, como já disse antes, tinha um magnetismo pessoal muito grande, um charme tão diferente e encantador, que agradavam a qualquer um dos seus conhecidos que tivesse a oportunidade de compartilhá-los, motivos pelos quais a menina estava sempre no centro das atenções. E que me perdoem os leitores que pensarem que estou exagerando porque eu a conheci, e devo ainda dizer que todos esses predicados eram acompanhados de uma meiguice e humildade raras em seres humanos de tanta beleza física.
E a menina viveu sua vida de idílios nas graças tanto de seus pais quanto de seus conhecidos. Até debutar.
Muita gente esquece, geralmente, de associar a palavra que emite ao seu real significado, porque quando falamos de debutantes, temos a visão de uma festa linda onde a menina é apresentada para a sociedade onde vive como estando apta para a vida social nesse grupo. É isso mesmo, de maneira geral, mas devemos ter em mente que esse costume também pressupõe que a garota está preparada para assumir um papel ativo em sua nova vida. E esse papel ativo quer dizer também poder manter relacionamentos amorosos. O tão aclamado ato de se tornar mulher. O que gostaria de ressaltar aqui porque isso tem muito a ver com os fatos que se sucederam na vida de nossa pequena e adorável garotinha, é que ela encontrou todos esses significados para esta noite mágica na vida de qualquer menina-mulher.
Obviamente, sendo e merecendo ser motivo de tanto orgulho para seus pais, estes prepararam uma festa maravilhosa para os quinze anos da adorada filha, onde compareceria toda a gente que mantinha relações com essa bem amada família. E apareceriam também pessoas que não estavam previstas. Isso acontece sempre em festas, mas quase nunca os clandestinos têm papel de relevância no acontecimento. Para Verinha a coisa não foi bem assim.
Na noite de seu baile, conheceu e se apaixonou por um rapaz que somente depois se veio a conhecer. O clima da noite aspirando a sonhos deve ter dado certa mãozinha aos acontecimentos, mas o que mudou realmente o rumo de sua história foi o fato de que o objeto dos desejos dela correspondeu aos seus anseios; e Verinha se enamorou pela primeira vez. Como nos diz o legado popular essa é a ocasião em que a menina-mulher ama, ou pensa amar com mais intensidade quando pela primeira vez. Mais intenso do que o que, não sabemos, já que supomos que ela não teria parâmetros para julgar essa intensidade. Para Verinha foi assim, amou pela primeira vez como se estivesse condenada a esta ser sua última. E como mais adiante veremos esta poderia ser a última mesmo!
Depois se soube que o nome do rapaz era Anderson. E também que era filho de pessoas muito ricas de outra cidade da região, onde residia com seus pais. Depois do dia do baile o rapaz começou a se achegar mais e mais na casa de Ricardo e o namoro estava decolando. Motivo pelo este jovem resolveu se mudar para a cidade de Verinha, morando em uma pensão que ficava perto da casa desta. O que tornou mais constantes suas visitas à casa da namorada.
O relacionamento ia ficando sempre mais sério e o pai de Verinha estava inquieto, com a impressão negativa que sempre tivera para com o seu agora quase futuro genro. Impressão que não tinha nenhuma razão de ser, ao menos racionalmente, mas não para Ricardo que amava tanto a sua filha que lhe bastara sua impressão para não conseguisse gostar do rapaz, que só cativava as pessoas com quem se relacionava, sendo sempre muito doce e gentil com quem lhe cruzasse o caminho ou dirigisse a palavra. Creditou estar certo nessa impressão ao fato de ter sido sempre um homem bom em julgar o caráter de seus semelhantes já que se considerava experiente em matéria de relações sociais. Bem, para ele isso bastava e agora que sabia que não gostava de Anderson, somente precisaria descobrir um motivo para continuar não gostando. E quando descobrisse o tal motivo estaria sendo justo, que ele sempre gostou das coisas justas, como costumava dizer.
Naquele tempo era muito importante para uma moça de bem estar consciente com relação ao perigo de se engravidar antes do casamento, e embora nunca tivesse tido razão para não confiar em sua filha, Carlota sempre advertia Verinha para o fato. Esse temor tinha fundamento no fato de que eles não conheciam o rapaz. Mas, a menina sempre deixou bem claro que concordava com esse tabu, mesmo antes de conhecer Anderson, e dizia que somente se entregaria ao seu amado, que para ela seria eternamente o rapaz por quem estava apaixonada, após o casamento. Consagrando assim, o amor dos dois.
Talvez pelo fato de que não aprovava o rapaz, talvez por destino, o pai de Verinha veio a descobrir, eu não sei de que maneira, que o futuro genro tomava vários remédios todos os dias, e que mantinha escondidos esses remédios. Por isso, achando que estava agora confirmando seu suspeito, em relação ao suposto mau caráter de Anderson, Ricardo sentiu-se tentado a saber que tipo de remédios estaria usando o rapaz. Certamente pensou se tratar de remédios para curar doenças que se teria pegado, em lugar não muito aceitável que seja freqüentado por um genro. Ou seja, deve ter pensado que o consorte estaria se tratando por causa do que se chamava, por medo de se pronunciar os nomes feios, de doenças da rua. É claro que tinha motivos para crer nisso, já que o doente aparentemente fazia muita questão de manter segredo de seu tratamento. Foi sendo tomado de uma curiosidade cada vez maior com relação a isso, mas para saber que tipo de medicamentos era teria que ver as embalagens que não se queria mostrar. Teria que penetrar no quarto do rapaz às escondidas para saber. Plano sórdido que a um homem de sua conduta só era perdoável, e mesmo assim depois de muito remorso, pelo grande amor que tinha por sua filha. Esperou que Anderson saísse para que pudesse perpetrar seu plano de invasão. O destino novamente interveio, quando o rapaz esqueceu-se de fechar as janelas ao sair. Ricardo entrou e foi com um misto de alegria e angústia que procurou até encontrar os tais remédios. Como não teria como saber o que significavam aquele nome, e não confiaria que pudesse lembrá-los, anotou-os um por um.
Saiu apressado como apressados sempre estão aqueles que se encontra em flagrante delito, e se dirigiu diretamente à casa do médico que era amigo da família e seu Ricardo havia sido seu padrinho de casamento, pois como disse antes toda essa família era muito bem quista na região. Não contou, pois não teria coragem para tal, o motivo porque desejava e necessitava muito saber para que servissem aqueles remédios.
O médico que, como já disse era seu amigo, depois de ler os nomes fechou o semblante em uma expressão muito preocupada com relação à saúde de Ricardo, e contou-lhe a terrível verdade. Os remédios eram recomendados à pacientes com perturbações mentais graves. Ou seja, a pessoa que precisasse tomar aqueles remédios era um psicopata em potencial. Ainda pôs-se a explicar o que seria a psicopatia, como havia uma disfunção no funcionamento do cérebro do portador, notadamente no dizia respeito às regras de convivência em sociedade. E que uma pessoa definida como psicopata não tinha, nunca, parâmetros regulares para suas ações e que, por esse motivo tanto podiam jurar amor como atentar contra a vida de pessoas que conhecesse.
Diante dessa situação, talvez para confirmar que estava certo em desconfiar do rapaz, ou ainda porque não pôde agüentar o peso da revelação seu Ricardo contou ao amigo médico quem estava se medicando com aqueles remédios. Como ele disse na época, mais tarde com muito mais amargura, o coração de pai que batia em seu peito não se enganaria com relação ao futuro de Verinha, seu maior tesouro na vida.
Então o médico teve que, devido às circunstâncias, ser sincero com o desafortunado pai. Sua querida filhinha estaria correndo perigo caso se casasse com esse rapaz, e mais, caso viesse a ter filhos com ele, eram grandes as chances de que estes desenvolvessem esse mesmo mal, que segundo o médico em muitos casos era transmitido hereditariamente.
Ricardo agradeceu e se retirou da casa do médico com o peso maior que o mundo contido naquela revelação. Agora tinha realmente motivos para a angústia que vinha sentindo, até então sem razão, e vários motivos: não poderia contar de que maneira conseguiu saber tais coisas, não via como evitar os acontecimentos desagradáveis que esperavam sua filha, e não tinha nenhum argumento sólido para se opor ao relacionamento. O desespero invadiu sua alma e ele se pôs a meditar um meio de não ter que passar pelo parecia agora inevitável.
Apoiou todas as suas esperanças na argumentação da idade do noivo ser maior que a de Verinha para começar desse dia em diante uma campanha ferrenha contra o rapaz. Argumento muito fraco, é verdade, mas não via outra possibilidade. Apelava para seus pressentimentos de que a menina seria infeliz com um casamento assim, com uma pessoa que era quase um desconhecido. Sabe-se lá quantos outros argumentos vãos tentou essa atormentada criatura para demover a filha.
Aconteceu justamente o contrário. Quanto mais tentava convencer a criança que tanto amava de que estava certo em relação às coisas que dizia, mais e mais esta menina se obstinava em declarar a quem quisesse ouvir seu amor por aquele que, em seus sonhos já era seu esposo.
E um dia, cansada de tanto desgastar a relação com seu pai, Verinha chamou-o aos eu quarto fez-lhe o que lhe pareceu ser o certo para endireitar a situação, pôs seu pai na berlinda. Assegurou-lhe que se, realmente fosse da vontade dessa ela se disporia a deixar Anderson, mas que seu pai ficaria, em contrapartida implicado em caso de que ela vindo depois a se casar com outro ser infeliz. Fato que não perdoaria nunca porque acreditava que deveria ter o direito de escolher o que lhe parecia melhor para a sua felicidade. E que se a felicidade discutida ali era a sua, ela estava perfeitamente convencida de que essa felicidade estava ao lado de Anderson.
Como não nos é dado saber o futuro de antemão, salvo quando mentimos Ricardo não pôde garantir à sua filha que o próximo relacionamento lhe seria melhor. E por essa razão aliada ao respeito que sempre tivera para com a opinião dos seus entes queridos, se viu obrigado a concordar com o fato de que sua filha casaria com o rapaz de quem ele tinha motivos para não aprovar, mas que desgraçadamente, contra qual não tinha como apresentar provas. Enfim, a vida seguiu seu curso de acordo com seu destino, e Ricardo só pôde rezar pela felicidade de sua filha a despeito de tudo o que sabia e sentia.
Para aumentar seu tormento, como teve ceder à idéia do matrimônio, parou de procurar dissuadir sua filha, que estranhou o fato e veio questionara o motivo de tão brusca mudança de atitudes. Ele pôs-se a desfiar razões para tal, principalmente devido ao seu caráter apesar do delito cometido ser bastante justo, e se concordara com a filha não iria mais se interpor entre o casal, e coisa e tal. Foi nessa conversa que ele sentiu o seu sangue gelar, quando animada com o fato, sua filha exclamou com toda a certeza de seu coração enamorado que ela, contrariando todos os prognósticos sombrios de seu pai, iria ser muito feliz com seu amado, e dariam a seus pais, muitos e lindos netos. Toda a explanação de seu amigo médico lhe voltou à mente; aterrorizando-o.
O casamento foi marcado para dali a poucos meses. Poucos mas, agonizantes para Ricardo com sua dor.
Apesar de tudo o que sentia Ricardo deu à sua filha uma festa digna da menina que esta sempre fora para a família.
Depois de casados, os felizes jovens vieram a morar na casa em frente à dos pais da noiva. E muito embora isso possa parecer conveniência demais, atesta os personagens que isso foi mesmo uma coincidência. Feliz coincidência que o destino preparou.
Mesmo depois de sua filha haver se casado a mãe de Verinha, dona Carlota insistia na idéia de que sua filha não tivesse filhos, com argumentos muito elaborados de que o casal precisa antes de um tempo para se conhecer bem na intimidade, e que o casamento que inicia, embora nunca se queira isso, pode vir a ser o casamento que se finda. A tudo isso Verinha ouvia com atenção e respeito, mas estranhando a atitude da mãeAté que um dia enquanto Carlota lhe passava esse tipo de conselhos a menina, agora esposa desabafou algo a respeito de que se continuasse assim ela acabaria seus dias ainda virgem. Carlota disfarçou, achando graça da reação de sua filha aos seus conselhos. Ela interpretara errado o desabafo da filha, crendo que esta se referia à sua insistência naquele assunto.
Só mais tarde, quase muito tarde, é que se soube a verdade.
O tempo passava e as atitudes e aparência de Verinha não condiziam com as de uma moça que se casara a menos de dois meses. Ela emagrecera uns cinco quilos nesse período. Perdera a alegria que lhe era tão característica. E o que era mais estranho ainda: mal aparecia na casa de seus pais que tanto havia amado, mesmo tendo que para isso somente atravessar a rua.
Os pais preocupados lutaram para saber o que estava acontecendo até descobrir que Verinha vinha sendo surrada pelo marido constantemente, principalmente devido ao fato a que Carlota deu tão pouca importância quando sua filha quisera lhe contar. O marido da moça, em conseqüência do tipo de remédio que usava era sexualmente impotente. E descontava esta frustração na pobre e agora também frustrada garota. E embora isso lhes tenha provocado á justa revolta, o destino novamente riu deles, trouxe também com essa notícia a alegria de que o perigo previsto pelo médico de que nascesse um psicopata deixava de existir pela não consumação do casamento. E a não consumação carnal do casamento era dado que oferecia a possibilidade de uma separação legal.
Nesse período a vida de Ricardo e Carlota se resumia a rezar por sua filha adorada e tentar encontrar uma maneira de livrá-la do suplício.
Estavam eles nesse dilema de todo dia, tomando chimarrão na varanda, com Ricardo tentando consolar sem grande sucesso sua esposa, quando da casa em frente se ouviram barulhos que até suspenderam as batidas do coração dos atormentados pais.
É bom que se ressalte que a jovem, herdando o caráter do pai se recusava a reclamar da situação a que estava submetida por sua escolha infeliz.
Dessa vez a cena que havia se tornado banal na vida do jovem casal foi pela primeira vez presenciada pelos pais de Verinha, e por quem mais quisesse ver. Anderson ergueu Verinha nos braços e jogou para fora de casa. Ricardo e Carlota se puseram em socorro à filha que havia perdido os sentidos na queda e o pai teve erguer, e meio que arrastando a filha ir tirando-a do alcance de Anderson, enquanto se defendia com um só braço dos ataques que esse lhe desferia no intento de lhe arrebatar a jovem. Foi salvo pela chegada de vizinhos que acudiram à tão cruel cena. E então com a ajuda dessas pessoas o agressor foi dominado e Verinha levada para a casa de seus pais de onde, agora ela sabia, não deveria ter saído para acompanhar tão amorosamente seu cruel algoz.
Após três longos meses em que se tratou das feridas em seu espírito com o amor que ela merecia agora mais que ninguém tramitava os papéis da separação, Verinha pôde enfim recomeçar a feliz vida que tivera, antes que a catástrofe viesse vestida em sonho de amor e carícias lhe visitar, roubando-lhe as ilusões que tinha até então sobre a vida.
Depois com gosto o pai de Verinha comentava, aquele era o dinheiro que melhor gastara mal, pois nem havia terminado de pagar a festa de casamento e já estava pagando à custa do processo de separação.
Com muito gosto mesmo.
Providenciou-se para que Verinha fosse levada para uma cidade no estado do Mato Grosso do Sul, onde uma tia sua era proprietária de um posto de gasolina, para trabalhar, ficar longe do alcance de Anderson e tentar, merecidamente recomeçar sua vida.
Então o destino, apiedado ou enfadado com a triste história de Verinha começou a lhe sorrir. No novo mundo em que se refugiou conheceu seu real amor, em pouco tempo com a coragem que sempre soube ter, conheceu, enamorou-se e casou-se com Marcos, que por ironia de adivinhe quem tinha os pais morando vizinhos aos de Anderson, de quem não tive mais notícia.
O atual marido de Verinha se mostrou uma pessoa excepcional, com caráter bastante compreensivo... Em resumo, o homem que ela merecia desde o início. Têm três filhos maravilhosos que é uma alegria muito grande para os avôs, que sonharam tanto com isso.
O destino de Verinha no final lhe foi bondoso.
Ou apenas justo, depois de tudo o que ela passou.
E pelo menos eu aprendi que, nunca será tarde para buscar num recomeço o que teremos o direito de possuir, se tivermos equilíbrio para enfrentar as situações adversas que certamente existirão em nossas vidas.

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